Ferenczi nasceu em Miskolcz em 7 de julho de 1873, filho de judeus poloneses emigrados na Hungria. Seu pai era um livreiro/editor e ativista político cujo engajamento na luta pela independência húngara o fez modificar o nome originário da família – Frankel, adaptando-o ao idioma magiar. Foi assim que, em 1879, Alexander Frankel tornou-se Sándor Ferenczi.
A Hungria, na época, era parte do Império Austro-Húngaro que, como se sabe, era bem mais austro do que húngaro. Tratava-se da dominação política, econômica, linguística e cultural da Áustria sobre a Hungria. Certamente isso não se constituiu como um problema para Freud, cientista de Viena, mas foi uma questão para Ferenczi que, como a maior parte dos intelectuais húngaros, participava das lutas pela libertação do jugo dos Habsburgos. Mais tarde, essa preocupação se estendeu aos jogos de poder na clínica e nas relações sociais; seu cuidado foi sempre com o lado mais frágil da corda – a criança na família, o louco e o homossexual na sociedade, o paciente no dispositivo psicanalítico. Vale lembrar que em seu primeiro artigo psicanalítico, Do alcance da ejaculação precoce (1908), discute este problema não na perspectiva dos homens, mas das mulheres que sofrem com o parceiro.
A livraria da família funcionava também como editora e biblioteca, na qual se reuniam artistas e intelectuais. Ferenczi acompanhava o pai na livraria, desenvolvendo o gosto pela literatura, pela poesia e pelos experimentos com hipnose. Aos 15 anos, seu pai morreu e a mãe assumiu a livraria e editora, tendo sido muito bem sucedida na empreitada. Ferenczi conta que vivia num ambiente de grande liberdade e criatividade em termos de pensamento político, filosófico, artístico, mas de grande restrição a tudo o que dizia respeito à vida afetiva.
Aos 17 anos, foi estudar medicina em Viena, formando-se em clínica geral e neuropsiquiatria. O enfant terrible da psicanálise já era um enfant terrible da medicina: posicionava-se contra a falta de ética e a hipocrisia presente nas instituições médicas. Atendeu prostitutas, a população carente em geral, e engajou-se na luta contra a perseguição social e política aos homossexuais. Em 1906, assumiu publicamente o apoio aos homossexuais num artigo apresentado à Associação Médica de Budapeste e se tornou representante do Comitê Humanitário Internacional para a Defesa dos Homossexuais. Além da forte veia política, era um escritor muito produtivo: entre 1897 e 1908, antes de conhecer Freud e se interessar pela psicanálise, já havia publicado 104 artigos, estudos de casos, ensaios e resenhas. Esses trabalhos, Os escritos de Budapeste, são considerados seus estudos pré-psicanalíticos. Como psicanalista, Ferenczi publicaria mais 144 artigos.
Ainda jovem, leu A Interpretação dos Sonhos sem muito interesse. Mas ao reler o livro, em 1908, fica encantado. Passa a ler todas as publicações sobre psicanálise e marca um encontro com Freud. Balint escreve que Freud “ficou tão impressionado com Ferenczi que o convidou para fazer uma comunicação no primeiro Congresso de Psicanálise em Salzburg, em abril de 1908, e a encontrá-lo em Berchtesgaden, onde a família passaria o verão”. No ano seguinte, acompanhou Freud aos Estados Unidos, para as Cinco Lições de Psicanálise na Clark University, juntamente com Jung, e discutiu cada uma das cinco conferências nos passeios que faziam pela manhã.
Em 1910, instigado por Freud, propôs a criação da IPA. Em 1913, criou a Sociedade Psicanalítica Húngara, que presidiu até sua morte, em 1933. Em 1918, no Congresso de Budapeste, foi eleito presidente da IPA. Em 1919, foi o responsável pela primeira entrada da psicanálise numa universidade: criou, em Budapeste, o Departamento de Psicanálise e foi nomeado para a cátedra.
Foi analisando de Freud entre 1914 e 1915, e analista de Melanie Klein, Ernest Jones, Michael Balint e Clara Thompson, entre muitos outros. Foi através de Balint que as ideias de Ferenczi puderam ser transmitidas a Winnicott.
Em seus últimos anos, o interesse de Ferenczi se dirigiu para a criação de estratégias clínicas que pudessem se adaptar aos pacientes que atendia. A ele eram encaminhados os casos que outros analistas consideravam difíceis ou até “inanalisáveis”. Para ele, porém, não existiam casos inanalisáveis; o que existia eram analistas que não tinham se analisado suficientemente. A partir dessa clínica, Ferenczi elaborou sua teoria do trauma e forjou novas estratégias para tratá-lo, o que provocou, nos anos 30, sua ruptura com Freud. De forma irônica, é justamente sua clínica do trauma que o torna, nas palavras de André Green, “o pai da psicanálise contemporânea”.
Ferenczi morreu em 22 de maio de 1933, de anemia perniciosa. Freud escreveu, em seu necrológio: “Ele soube fazer de todos nós seus alunos (…) É impossível que a história de nossa ciência algum dia venha a esquecê-lo”. Mas Ferenczi foi esquecido por mais de 50 anos. São os impasses da clínica contemporânea que levam os psicanalistas a se tornarem, novamente, seus alunos.
SZECSÖDY, I. (2007). Sándor Ferenczi—the first intersubjectivist. The Scandinavian Psychoanalytic Review Vol. 30, Iss. 1.
BALINT, M. Prefácio in Sándor Ferenczi. Psicanálise I. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
BALINT, M. Prefácio in Sándor Ferenczi. Psicanálise II. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
DUPONT, J. (1985). Prefácio in Journal Clinique. Payot: Paris.
FREUD, S. (1933). Sándor Ferenczi. Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1976, vol. 22, p. 227.
SABOURIN, P. (1985). Ferenczi, paladino et grand vizir secret. Bégédis: Éditions Universitaires.
SZECSÖDY, I. (2007). Sándor Ferenczi – the first intersubjectivist. The Scandinavian Psychoanalytic Review, vol. 30, 1.