Ferenczi teve lugar de destaque entre os pioneiros da psicanálise. Figura central na organização do movimento psicanalítico mundial, era reconhecido entre seus colegas como clínico talentoso, especialista em pacientes difíceis. Sterba (1982) seu aluno no instituto de Vienna, relatou que Ferenczi tinha alunos em diversos institutos na Europa e que eles assistiam suas aulas e seminários clínicos “mesmerizados.” Ferenczi foi um dos fundadores da Associação Psicanalítica Internacional e da Sociedade Psicanalítica de Budapeste, e foi também o primeiro professor de Psicanálise em uma Universidade (Universidade de Budapeste). Além disso, foi um dos idealizadores do Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse, a primeira revista científica internacional de publicações psicanalíticas em alemão.
Em relação à formação dos analistas, Ferenczi criou a “segunda regra fundamental” da análise, para ele, todo psicanalista deveria submeter-se à análise pessoal para poder atender pacientes. Foi íntimo de Freud e de sua família; Freud o chamava de “meu querido filho” e dizia que suas contribuições eram “puro ouro” para a Psicanálise (Lorand, 1966, p. 14). Suas ideias influenciaram muitos dos psicanalistas das primeiras gerações, como Ernst Jones, Melanie Klein, Michael Balint, Sándor Lorand, Sándor Radó, Géza Róheim e Clara Thompson. E, dentre os mais influentes atualmente, Donald Woods Winnicott e Jacques Lacan. Em seu obituário Freud escreveu que Ferenczi transformou todos os psicanalistas em seus discípulos.
Ferenczi era descrito por seus pares como um psicanalista criativo, otimista e, às vezes, ingênuo; acreditava que era necessário focar no sucesso do tratamento e, por vezes, o perseguia obsessivamente. Ficou conhecido por não medir esforços em experimentar novas técnicas, sendo considerado o “paraíso dos casos perdidos” (Balint, 1949, p, 217) e, por isso, seus colegas lhe encaminhavam os pacientes que não conseguiam tratar. Suas contribuições para a técnica psicanalítica propunham conceitos inovadores como elasticidade, empatia, atividade por parte do analista, mutualidade na transferência. Ferenczi experimentou, muitas vezes exagerou, reconheceu erros, reformulou suas teorias e, mesmo sabendo que algumas de suas teses contrariavam as ideias de Freud, seguiu afirmando aquilo que considerava ser o resultado autêntico de sua pesquisa clínica: a importância da criança existente em todo analisando – mesmo nos adultos – e sua relação com o universo adulto, com destaque para a qualidade da interação interpsíquica, seja na relação mãe bebê, seja na relação entre analista e paciente, ou ainda, e não menos importante, na relação entre indivíduo e sociedade.
Apesar das muitas contribuições que fez, Ferenczi morreu isolado de seus colegas, que suspeitavam de sua reputação clínica e de seu equilíbrio emocional. O último artigo escrito por Ferenczi, “Confusão de língua entre os adultos e a criança” (Ferenczi, 1992a) seria o ponto máximo da discordância de Ferenczi com os rumos da psicanálise do seu tempo. O trabalho foi recebido com desgosto por Freud e com surpresa dentro do círculo mais íntimo de psicanalistas, por ser considerado um retrocesso às teorias sobre o trauma abandonadas por Freud. De fato, de maneira bastante original Ferenczi descrevia o trauma como uma falha no encontro afetivo entre linguagens distintas, a da criança (ternura) e a dos adultos (paixão). Nesse sentido, passou a questionar a ênfase que Freud atribuíra ao fator intrapsíquico como responsável pelo desenvolvimento da criança. Freud abandonara sua teoria do trauma como abuso sexual infantil, privilegiando a ideia de que ele seria produzido pelas fantasias de sedução nas quais predominariam os conflitos gerados pelo complexo de Édipo, minimizando o papel iatrogênico do ambiente em que a criança vivia. Ferenczi, por seu turno, a partir da sua experiência clínica, passou a conceber que a psicopatologia não advinha apenas dos conflitos intrapsíquicos, mas que os próprios conflitos vividos pela criança eram respostas ao contato relacional, sendo produzidos pelo cuidado inapropriado dos adultos nos seus primeiros anos de vida.
Em sua atuação política defendeu os homossexuais, opondo-se aos que o consideravam criminosos, e demonstrou a incapacidade social de sua época em lidar com o desenvolvimento natural da sexualidade. Foi favorável aos analistas leigos contrariamente ao cartel médico poderoso que se formava nos Estados Unidos e, finalmente, foi o pioneiro no tratamento psicanalítico das vítimas de abuso sexual infantil, a partir de sua inovadora compreensão teórico-clínica da dinâmica do trauma (Stanton, 1990).
Os desafios contemporâneos da clínica psicanalítica fizeram com que, como já havia dito Freud, todos os psicanalistas voltassem a ser alunos de Ferenczi, reencontrando em seus textos temas que são, atualmente, cruciais para a psicanálise, como o estudo da intersubjetividade, o fator traumático na produção do sofrimento psíquico, a flexibilização do enquadre e a microscopia do campo transferencial – com destaque para a importância da empatia no manejo clínico.
BALINT, M. (1949). Sándor Ferenczi, Obit 1933. Int. J. Psycho-Anal, 30:215-219. Ferenczi, S. (1990). Diário clínico. São Paulo: Martins Fontes.
FERENCZI, S. (1992a). Psicanálise IV. São Paulo: Martins Fontes.
LORAND, S. (1981). Sandor Ferenczi: o pioneiro dos pioneiros. In F. Alexander, S. Einsenstein & M. Grotjahn (Orgs.). História da psicanálise através dos seus pioneiros: uma história da psicanálise vista através das vidas e das obras dos seus eminentes mestres, pensadores e clínicos. (Vol. 1, 1a ed.). (M. C. Celidônio & E. M. de Sousa, Trad.). Rio de Janeiro: Imago.
STANTON, M. (1990). Reconsidering Active Intervention, Aronson: New JerseySTERBA, M. (1982). Reminiscences of a Viennese psychoanalyst. Detroit: Wayne State University Press.