O ar que respiramos está rarefeito, e intoxicado. É insuportável assistirmos passivos a mais um homicídio, agora de João Alberto Silveira de Freitas, cometido por supostos agentes de segurança pública ou privada contra homens negros. No início da pandemia do novo coranavírus policiais norte-americanos sufocaram covardemente o afro-americano George Floyd, enquanto este dizia não poder respirar. A violência racista, sempre presente no Brasil, ganha assim sua versão mimetizada. Enquanto isso, as autoridades governamentais não se envergonham em repetir a mentira: “não há racismo no Brasil”.
Sándor Ferenczi nos chamou a atenção para a dimensão política dos traumas provocados pelo desmentido que busca ludibriar nossa percepção da opressão e dos abusos cometidos sobre os mais vulneráveis. E o Brasil guarda uma pletora de desmentidos sociais traumáticos, dos quais o racismo é, decerto, o mais cruel e humilhante.
Nós, psicanalistas do Grupo Brasileiro de Pesquisas Sándor Ferenczi, nos juntamos a todos aqueles que repudiam enfaticamente a repetição da violência racista no Brasil, e que exigem punição exemplar dos responsáveis pelo assassinato hediondo ocorrido na véspera do Dia Nacional da Consciência Negra.
Além disso, de acordo com a ética do cuidado que inspira a psicanálise em sua luta contra o sofrimento psíquico de todos, exigimos o direito de nomear corretamente as violências que atravessam a vida social no Brasil. É preciso gritar, com todo o ar que resta nos nossos pulmões: há racismo no Brasil! Há uma desigualdade socioeconômica vergonhosa no Brasil! Há opressão cotidiana dos direitos de grande parte da população no Brasil! E é preciso lembrar que o racismo que atinge a parcela da população negra do nosso país também nos intimida, nos envergonha e nos humilha, a todos que lutam pelo legado de um país mais igualitário, justo e livre.
Foto: Bruno Santos/ Folhapress
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